Sobre



Templo Polimata de Cruzeiro do Sul e centro internacional da Ordem Polimata dentro da tradição do Xamanismo do Caminho Verde. Centro de formação de mestres, pajés, curadores, arumuyas do Polimatismo, também local de convivência com as 18 tribos indígenas do Acre. O templo também concentra a produção de Ayahuasca e outras medicinas da floresta. Centro de estudos botânicos e sede dos trabalhos humanitários de apoio a população Norte do Brasil.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Estudos botânicos da Ordem Polimata

Minhas mais humildes reverências a todas e todos! Com muita honra inauguro meu primeiro post no blog da nossa Irmandade Polimata, Templo Nawa, de Cruzeiro do Sul, estado do Acre.


Flores vistosas encontradas no Ramal São Francisco.

E daqui direto do ramal 3 (ramal São Francisco), no coração da Amazônia ocidental brasileira, vou contar um pouco sobre nossos projetos de estudos botânicos e como temos desenvolvido esta atividade ao longo da jornada que está sendo trilhada. Importante dizer que, no meu sentir, tudo (ou quase tudo) está conectado e, neste sentido, me refiro tanto às minhas práticas espirituais (sādhanā), quanto ao meu trabalho profissional e seva no Templo. Assim, não vejo limites concretos entre o fim de um assunto e o início de outro, pois procuro fazer deste conhecimento, através da experiência diária, o meu próprio bhakti, ou caminho devocional.

Ramal São Francisco.

No sentido de buscar esta harmonia, me parece fundamental destacar os conhecimentos e práticas dos povos tradicionais, já que esta região do Acre é uma importante área onde convivem lado a lado, vários grupos de culturas indígenas, caboclas e seringueiras, que aliados a esta riqueza e diversidade biológica única, colaboram para preservar uma das maiores áreas de biodiversidade do planeta.


À esquerda: mudas jovens de samaúma nascidas espontaneamente e coletadas para cultivo no viveiro; no centro: fungo raro que nasce em madeira decomposta; à direita: cipó nas matas do Ramal São Francisco.

Assim, inspirada neste arcabouço de saberes - que, no caso das plantas, envolve desde sua taxonomia (que trata da identificação, classificação e nomenclatura) até os seus diversos usos (alimentação, construção, medicamentos, artesanatos, combustível, entre outros, tidos como “úteis”), venho cuidadosamente estudando as diferentes espécies das vastas matas da região, sempre contando com o apoio dos moradores locais, que são verdadeiros professores da floresta! Nossa intenção é ampliar nossos conhecimentos, para que possamos nos empenhar na preservação e conservação desta riqueza. Para isto, além da pesquisa propriamente dita, também produzimos em nosso viveiro mudas de espécies nativas, frutíferas e, claro, medicinais, como as estimadas rainha (chacrona ou simplesmente folha, como se diz popularmente aqui no Acre) e jagube (também mais conhecido popularmente como cipó).


Psychotria viridis, a rainha. No centro, parte abaxial da folha, mostrando as domácias, popularmente conhecidas como "velas". Na vela, moram ácaros que se alimentam de fungos que possam querer se alimentar da folha e prejudicá-la.


Viveiro de rainhas e mudas nativas e frutíferas.

O plantio de legumes de horta e de roçado supera os desafios do verão que se despede! Milho, jerimum (a abóbora do sudeste), mamão, tomate, batata-doce, inhame (o cará do sudeste), pimenta, manjericão, rúcula, além da favorita “roça”, como é popularmente conhecida a mandioca. O “roçado de roça” tem papel central na história do povo acreano, sendo a base da alimentação e movimentando a economia de muitas famílias que moram nos ramais, ademais também é o sustento nutricional da maioria das populações indígenas do Alto Juruá.

As eminentes PANCs (plantas alimentícias não convencionais) também têm lugar de destaque, só que nesta ocasião o realce ocorre tanto na natureza, quanto no nosso cardápio! Corama, camapum, caruru, ora-pro-nobis, pupunha, ingá e uma gama de outras possibilidades de vegetais (pois as PANCs na maioria das vezes são vistas como “mato” ou, simplesmente, sem importância aparente – para os leigos!) se apresentam como opções nutritivas e saborosas!


Physalis angulata, o fisális ou camapum. Além de ter um frutinho saboroso, é uma planta medicinal utilizada para o combate à malária e leucemia.

Toda esta abundância de flores, frutos, sementes, folhas, raízes... de cores e sabores, só pode ser valorizada e preservada quando começamos a perceber os detalhes e, num nível mais sutil, nos conectar com eles. Existe um termo, proposto por dois estudiosos no final da década de 90, chamado “cegueira botânica”, que é definida como a incapacidade de perceber as plantas no ambiente. Este distanciamento do mundo natural reflete nos hábitos e na cultura da sociedade contemporânea e, por experiência própria, acredito que criar uma relação afetiva com as plantas também nos torna seres mais espiritualizados.

Encantadoras flores de matá-matá e pau-de-campestre, encontradas na trilha para o igarapé do Memésio.

À esquerda: fruto ainda não identificado; no centro: fruto e sementes de pente-de-macaco ou pau-de-jangada, outro nome popular pelo qual é conhecida a espécie Apeiba membranacea, árvore boa para fazer envira; à direita: sementes de uma espécie considerada madeira de lei (a mudinha já está crescendo!). Plantas encontradas na trilha do igarapé do Memésio.

À esquerda: frutos de um frondoso jatobá (ou jutaí) que está na beira do igarapé do Memésio; no centro: flor de malva, uma árvore muito abundante, que gosta de sol e de crescer em locais de capoeira. É parente do pente-de-macaco e da samaúma, sua madeira é considerada "fofa", de qualidade mole, e seus frutos produzem uma paina que é utilizada em alguns locais para fazer almofadas; à direita: flor de uma árvore com frutos muito apreciados, o pupu-da-mata (cupuaçu da mata), mas que curiosamente não caem no chão quando maduros, sendo necessária a sua escalada para realizar a coleta.

Em razão disso, faço votos para que a observação da natureza e a escuta dos povos que têm conhecimento dela, sejam instrumentos aliados ao nosso desenvolvimento espiritual. No meu íntimo, também desejo que esta prática seja, também, minha realização emocional e material.

Banhos que refrescam o corpo e nutrem a alma!

Para finalizar, deixo aqui um fragmento de texto de um livro que gosto muito e que tem sido um grande camarada no meu entendimento sobre o Acre e suas peculiaridades.

Práticas e verdades culturais comandam a observação e a experimentação. A observação é detalhada, minuciosa, e cada um está atento ao que vê e ouve. As frutas que certos peixes e caças apreciam são investigadas a partir de suas vísceras. Observam-se os hábitos de cada animal, a floração de cada árvore. Essa atenção constante é posta, sem dúvida, a serviço das atividades, e o exercício dessas atividades é crucial para que se mantenham os conhecimentos. É na caçada, no marisco, na agricultura, no corte da seringa, nas práticas em geral, que se transmite e se amplia o conhecimento da floresta. Não existe e não persiste um saber desvinculado da prática. No dia em que não mais se subsistir da floresta, todo um mundo de conhecimentos e de possibilidade de descobertas será perdido (Cunha & Almeida 2002: p. 13 – Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: Práticas e Conhecimentos das Populações).

 


 Com amor, Nicoll Escobar (botânica e devota interna do Templo Polimata Nawa).

19 comentários:

  1. errata: a foto da direita, da primeira figura é uma Heliconia

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  2. Maravilhoso, muito obrigado pelo estudo importante da flora de nossa comunidade no Acre, dentro do Templo Polimata de Cruzeiro do Sul. Fico muito feliz com o avanço dos trabalhos. Minhas mais humildes reverências a este guerreiros da Mata e do Polimatismo.

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  3. salve, realmente uma doutora mestrada nas matas que beleza de estudo ,guerreiros (a)

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  4. Viva floresta! Viva as medicinas! Viva natureza e seus seres!
    Haux haux haux!!!

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  5. Lindo demais o estudo e o carinho com que explica cada semente, flor, planta... Viva a natureza, prosperidade sempre a vocês!

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  6. Que maravilha de estudo Nicol parabéns. Viva seus estudos na floresta.

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  7. Parabéns mana pelo trabalho maravilhoso, a humanidade agradece e a floresta canta ...meus mais sinceros haux pra vc

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  8. Nicolleta, parabéns por tudo isso! Está lindoo!!!

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  9. Lindo, Nicoll! Torcendo pela continuidade dos seus projetos!

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  10. Parabéns pelo trabalho! Em breve estarei aí visitando. Abraços!

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  11. Hija mia que lindo su trabajo, gracias por compartirlo con nosotros . Besitos, Gracias

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  12. Que coisa linda, Nicoll! Esse encontro-conexão do seu ser como um todo, o texto que qualquer leigo (como eu) consegue entender e admirar! Que sua caminhada esteja longe da cegueira botânica, pois são raros esses olhos que vêem e essas mãos que conservam e preservam ❤️

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  13. Chi, que trabalho lindo! Fico feliz e com coração quentinho em ver seu caminho, seguindo sua essência num emaranhado de missão, espiritualidade, profissionalismo e muito respeito à natureza, seus povos e tudo que nela possa habitar. Te honro!

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  14. Gratidão por ser e existir, podendo trilhar e compartilhar esse caminhar na observação e escuta da mata!

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